Customer Centricity

Customer Centricity - Como aplicar na sua empresa

"Clientes estão sempre em primeiro lugar". Será? Entenda como implementar de fato uma estratégia 100% focada em cliente.

Publicado em

28 de julho de 2020

28 de julho de 2020

weme

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O que é ser customer centric?

‍Ranjay Gulati, professor da Harvard Business School, brinca, nesse vídeo, com o fato de que customer centricity é um tema fácil de falar, mas difícil de colocar em prática. Para ele, nenhuma empresa vai dizer “eu não quero ser customer centric, isso não é pra mim”, mas, na prática, há uma confusão sobre o que significa ser centrada em clientes e muita gente subestima o quão difícil é trazer o tema para a realidade. “Não é apenas uma ideia de marketing: é preciso pensar na empresa como um todo e o modo como ela opera”. 

A dificuldade nesse processo está justamente na mudança de modelo mental das organizações que cresceram a partir de uma estratégia centrada no seu produto ou serviço:

  • DE: Eu vendo e produzo esse produto para quem quiser comprar (inside-out)

  • PARA: Eu quero resolver esse problema para esse grupo de clientes (outside-in)

Ao focar e dominar o problema da pessoa cliente de fora pra dentro, ao invés do meu produto de dentro pra fora, a empresa aumenta suas chances de se adaptar às necessidades dela e diminui os riscos da sua proposta de valor perder a validade com o tempo. Ao invés da empresa morrer abraçada com uma solução que não entrega mais valor, focar no problema antecipa mudanças e abre o leque de novas formas de adaptar a oferta.

Customer Centricity em 4 passos

• Entender quem são tais clientes e o problema que queremos resolver; fazer um bom mapa de empatia pode ajudar

• Construir uma estratégia de crescimento em torno de cliente

• Colocar isso no centro da estratégia da organização

• Conectar a empresa inteira em torno da geração de valor para tais clientes

Tudo isso de forma contínua. O caminho em si pode parecer fácil e óbvio. O difícil é manter a consistência, a integração e o olhar de fora pra dentro. Em suma, ser customer centric significa partir do problema de fora pra dentro e de como adaptar minha empresa para criar valor para clientes, que por sua vez, cria entendimento e valor para a organização. Parece algo simples, mas projetar toda a organização a partir da perspectiva de cliente, para resolver seus problemas, é bem mais trabalhoso do que parece. Principalmente quando a necessidade dessa pessoa muda, mas sua oferta continua a mesma.


Fundamento de uma organização Customer Centric.

Ser Customer Focused não é igual ser Customer Centric

‍Uma das maiores dificuldades para converter a organização para um modelo customer centric é entender a diferença entre foco e centralidade em clientes - termos que se confundem nos discursos mas, na prática, são muito distintos. Muitas empresas, com boas intenções, se vêem preocupadas e focadas em clientes. Elas fazem de tudo para conseguir vender seus produtos para a clientela, dão muita atenção, negociam, oferecem benefícios. Para elas, foco e centralidade em clientes são a mesma coisa - mas não são. A diferença está justamente na perspectiva: 

Customer Focused significa olhar para clientes com os olhos da empresa. 

Customer Centric significa olhar para a empresa com os olhos de cliente.

Focar em clientes exclusivamente com os olhos (e interesses) da empresa é um impulso natural e mais confortável. É sobre privilegiar a perspectiva do meu produto ou serviço (que conheço bem) para encontrar caminhos de fazer com que tais clientes impulsionem o meu resultado do P&L (Profit and Loss Statement ou, na tradução, demonstrativo de lucros e perdas) no curto prazo (que eu preciso atingir). Essa visão, embora seja mais intuitiva e traga uma sensação de proteger os interesses e resultados da empresa no curto prazo, não leva em consideração que o poder de barganha na relação é cada vez mais das pessoas que consomem o produto/serviço oferecido. E se a empresa não antecipar suas mudanças para se adaptar a novas necessidades, o negócio corre um risco ainda maior no longo prazo.‍

Por outro lado, empresas centradas em clientes pensam como clientes. Enquanto a necessidade de tais clientes está alinhada com a oferta da empresa, não há dificuldade aqui. O problema é justamente quando pensar como cliente significa antecipar problemas nessa equação e, com isso, seja necessário cogitar caminhos para mudar algo que estava funcionando muito bem até agora na proposta de valor. A máxima "em time que tá ganhando não se mexe" não tem mais lógica aqui: time que tá ganhando, pra continuar ganhando no futuro, precisa se mexer para antecipar mudanças que mantenham sua relevância e geração de valor para clientes agora e no futuro.

 

Product Centricity x Customer Centricity

‍Essa mudança de perspectiva é que deixa tudo mais difícil na transição entre uma empresa centrada em seu produto ou serviço e uma empresa centrada em cliente. É muito mais confortável manter a centralidade naquilo que conhecemos e dominamos ao invés de dar a chance a uma visão que pode questionar esse conforto. Nesse sentido, olhar para clientes significa conduzir as mudanças e a evolução da organização sob uma ótica bem menos previsível, controlada e estável e, embora seja necessário, isso é desconfortável demais.

‍Além disso, mais difícil do que conhecer e reconhecer uma perspectiva diferente daquela com a qual se tem mais costume, é desdobrar esse olhar de cliente na organização. Essa mudança implica na reorganização de uma estrutura mais sólida centrada em produto para uma estrutura mais flexível centrada em clientes - e exige transformações profundas e bem além da superfície de contato.

Diferenças entre uma organização product-centric e uma organização customer-centric.

Empresas digitalmente nativas, que já nasceram em um contexto com clientela mais empoderada, via de regra já cresceram em uma estrutura customer centric e navegam com mais facilidade para se adaptar às constantes mudanças dessa clientela. Já empresas mais tradicionais, que vieram de um contexto menos turbulento, com menos mudanças e com uma relevância histórica do seu produto, têm mais dificuldade em se desapegar e questionar o passado que era mais sólido para se adaptar ao presente mais líquido. Essa adaptabilidade, mais do que nunca, virou habilidade central para sobrevivência de muitos negócios.

Sinais de que sua empresa não é tão customer centric assim.

‍Apesar das explicações, nem sempre é fácil reconhecer que sua empresa não é centrada em clientes. Isso acontece porque clientes sempre estão nas discussões estratégicas das organizações e certamente há investimentos, ações, times e prioridades estratégicas que possuem uma interface mais próxima com tal cliente. Mas isso nem sempre é suficiente ou de fato molda a organização de forma transversal sob a ótica da clientela. 

 

Alguns sinais podem te ajudar a identificar falhas na centralidade em clientes:‍

  • Enxergar clientes como agrupamento sem conhecer esse grupo de forma mais granular: muitas vezes nos acostumamos a representar e analisar clientes como agrupamentos demográficos e atributos comuns à maioria. Essa análise não é errada e pode ajudar em algumas tomadas de decisão mais macro, mas não pode ser a única. Conhecer sua clientela de forma mais granular e única, e não somente nas médias, mas também nos extremos, gera uma compreensão muito mais profunda sobre necessidades não atendidas escondidas nas médias, e insights mais valiosos para diferenciação competitiva do seu negócio.

  • Achar que o olhar para clientes se restringe a times com interface direta com essas pessoas: Muitas organizações ainda vêem customer centricity como responsabilidade de marketing, vendas, customer service e demais áreas mais próximas da clientela. No entanto, para que uma empresa seja de fato customer centric, cada pessoa colaboradora de cada time precisa entender a conexão entre o seu trabalho e o impacto em clientes. Apenas assim é possível tomar decisões e gerar integração entre times, em prol da constante criação de valor para a clientela.

  • Perder o engajamento de cliente após a primeira venda: A aquisição de novas pessoas na clientela é fundamental para qualquer negócio. Mas uma aquisição não se faz apenas no momento da compra (é preciso educar essa pessoa e ajudá-la a encontrar a solução para o seu problema nas etapas iniciais da jornada). Da mesma maneira, a jornada de compra só está na metade quando a primeira venda é feita (o nível de esforço feito até a primeira compra precisa se manter no pós compra). Gerar valor para clientes no presente e aumentar a probabilidade de continuar gerando valor no futuro é fundamental e empresas customer centric valorizam a nutrição, retenção e fidelização de clientes da mesma forma que a aquisição.

  • As decisões estratégicas não são tomadas com clientes em mente: Uma das maiores dificuldades para manter a consistência na centralidade em clientes reside no momento de tomadas de decisão. Estamos assumindo o que clientes querem sem dados? A decisão segue apenas as diretrizes de acionistas? É a tecnologia interna ou as necessidades de tais clientes que empurram a melhoria e desenvolvimento de novos produtos? É aqui que a maioria dos conflitos residem: seguimos a lógica de otimização de P&L pura e simplesmente, ou trazemos a perspectiva de cliente para a mesa, mesmo quando ela contraria a opinião de pessoas relevantes com muito tempo de casa, ou ainda, quando trazem aparentemente menos resultado no curto prazo (mas dão mais robustez para a empresa no futuro)?

  • Todos os investimentos da empresa estão focados no core business atual: Esse ponto tem ligação direta com o anterior. Parece mais lógico priorizar investimentos no curto prazo e no core business. Investimentos nessa linha são mais seguros, com menor risco e com retorno mais rápido. No entanto, apegar-se ao core sem explorar possibilidades de futuro (novos produtos, serviços, modelos de negócio) aumenta o risco de a empresa perder o timing das mudanças e oportunidades e, com isso, também perder a sua relevância no futuro.

‍Esses e outros modos de falha serão tratados neste artigo para ajudar lideranças a identificá-los e explorar caminhos de solução. 

 

Por que ser customer centric ficou ainda mais importante agora?

‍De alguns anos pra cá, o tema customer centricity começou a ganhar o holofote de livros, artigos cursos e estudos de consultorias renomadas como um caminho de resiliência das organizações em um novo contexto de mundo. 

‍Esse aumento de relevância está diretamente ligado ao ritmo acelerado das mudanças no contexto digital. Todos nós já sabemos que o mundo está mudando cada vez mais rápido -  e todos estamos sentindo essa mudança na pele. Mas o que nem todo mundo enxerga é a consequência pragmática dessa nova dinâmica no mundo dos negócios: mudanças rápidas de contexto geram mudanças rápidas nas expectativas e necessidades de clientes e a dificuldade está em acompanhar essas mudanças em tempo real.

‍Num passado não tão distante, tínhamos clientes mais estáveis, dependentes e previsíveis, com menos opções, menos fontes de informação, menos necessidades e menos mudanças. Agora, o contexto é o extremo oposto: temos clientelas mais empoderadas, com acesso a mais informações, com mais opções e autonomia para escolher e mudar de opinião quando quiser. 

Vários estudos indicam que grande parte (+70%) da jornada de compra de cliente é feita antes do primeiro contato com uma empresa (de forma digital) e que a pandemia de Covid-19 apenas acelerou ainda mais o alto nível de exigência e o comportamento digital das decisões de compra. A balança do poder de barganha já mudou há algum tempo - e acelerou ainda mais a distância entre os poderes no último ano.

Distanciamento entre Plano e Realidade com as constantes mudanças na expectativa da clientela no contexto digital.

‍Com essa mudança, a receita anterior de dependência de um mesmo portfólio e modelo de negócio escrito em pedra tem sido cada vez mais posta à prova no novo contexto. Por outro lado, empresas que souberam se adaptar com mais agilidade têm sido aquelas com melhores resultados. De acordo com um estudo da Pwc, 63% das pessoas que são CEOs colocaram mudanças organizacionais ligadas a customer centricity entre os top 3 investimentos e, de acordo com um estudo da Delloitte, empresas que são customer centric são 60% mais lucrativas do que empresas product centric.

Seguindo essa lógica, há uma correlação clara entre inovação e customer centricity: é preciso entender o impacto das tecnologias e das mudanças de contexto no comportamento e sob o ponto de vista das pessoas para criar soluções inovadoras que clientes amam. Mas, para isso, é necessária uma transformação mais profunda e as empresas que são de fato customer centric deixaram de tratar o tema de modo superficial e se dispuseram a adaptar sua estrutura, seu modelo de negócio e sua organização como um todo. 

‍Essa transformação, por sua vez, envolve explorar e tratar como prioridade temas que parecem obviedades lindas no papel e na teoria, mas na prática são muito menos óbvias e bem difíceis de absorver e colocar em prática. A capacidade de assimilar e desdobrar cada um desses temas é cada vez mais um fundamento das lideranças que guiarão as organizações do futuro.

 

Vamos detalhar cada um deles nesse artigo. Acompanhe:

 

Obviedade 1: Tem clientelas que têm mais valor que outras

Dentre os muitos segmentos de clientes, precisamos entender quais possuem melhor CLV (Customer Lifetime Value) e, com isso, direcionar o esforço e foco da operação nesse sentido.

Mito x realidade na distribuição de clientes por valor agregado

 

Muitas vezes, pensamos e tratamos nossa clientela como se fossem pessoas distribuídas em uma curva normal: poucas são muito ruins, a grande maioria é mediana e poucas são clientes muito boas. Nesse caso, tendemos a tratar e analisar leads e clientes da mesma forma mediana e sem grandes diferenciações. 

‍No entanto, a realidade se comporta de um jeito bem diferente: no geral, temos poucas pessoas que são clientes muito valiosas e uma cauda longa de clientes que não valem quase nada. O problema entre mito e realidade aqui surge quando olhamos para a média de clientes como direcionador do negócio. A média, por definição, exclui os extremos - e é nos extremos que estão melhores e piores clientes (e os melhores insights para o negócio). Ao priorizar a média, as empresas tentam ser razoavelmente boas para todo mundo - mas tentar ser boa para todo mundo acaba não sendo a melhor para ninguém.

Nesse sentido, por mais que seja óbvio, uma organização centrada em cliente precisa:‍

  1. Entender quem são clientelas muito boas (pra quem ela agrega mais valor e, com isso, geram mais valor para o negócio);

  2. Mapear o que há em comum para atrair mais clientes similares;

  3. Balancear e priorizar os recursos da organização (tempo, pessoas, investimento) para clientes mais orientados a esse perfil;

  4. Despriorizar recursos direcionados a clientes que geram pouco valor.

A parte mais difícil aqui é despriorizar. Muitas vezes queremos atender todo mundo, leads e clientes do mesmo jeito. No entanto, o problema disso é que, ao tratar todas as pessoas da mesma maneira, deixamos de priorizar e maximizar o investimento em clientes para os quais nossa proposta de valor faz mais sentido e tem mais aderência no longo prazo.

 Por outro lado, isso não quer dizer que devemos simplesmente ignorar x pessoas. A diferença está no nível de esforço. Para exemplificar, vou contar sobre um acontecimento da weme, consultoria de design e inovação que impulsiona grandes empresas que estão buscando se adaptar ao novo contexto digital. Em 2019, identificamos nosso ICP (Ideal Customer Profile) e percebemos padrões de segmento, área de atuação, estágio de inovação, entre outras características. Para empresas mais alinhadas ao nosso ICP, adotamos uma estratégia de ABM (Account Based Marketing) bem segmentada (o CAC - Custo de Aquisição de Clientes - é maior, mas o LTV também é - Life Time Value - valor de cliente que retorna ao longo do tempo). Isso não quer dizer que não fazemos projetos com outras empresas que nos conhecem através dos nossos conteúdos, eventos ou indicações, apenas quer dizer que não vamos prospectá-las ativamente (logo, o CAC é menor e o LTV provavelmente também será). Essa estratégia triplicou nosso negócio nos últimos 3 anos e gerou um aumento de 400% no LTV.

‍Com isso, passamos a cotar o valor do potencial do nosso funil de vendas não simplesmente pelo número de leads, mas pelo valor potencial de cada lead. Por exemplo, um perfil de lead muito bom de uma empresa que já é cliente pode valer 3x mais do que um lead com perfil muito distante do ideal e que não me conhece. Essa diferenciação direciona o time de marketing e vendas a prospectar e atrair leads com maior potencial para o negócio.


Diferença do potencial de cada cliente dependendo do perfil e do nível de engajamento

Um ponto importante a ser destacado aqui diz respeito ao alinhamento da segmentação e priorização de clientes. Apesar de haver empresas que sabem fazer uma boa segmentação, a maioria delas não tem uma visão compartilhada desses segmentos, dos critérios de priorização e nem da relevância do tema entre todas as áreas da organização. Desse modo, a visão do marketing pode não ser a mesma de vendas, da supply chain, de finanças e assim por diante. E, se a visão sobre o tema é diferente, alguns direcionadores estratégicos também podem ser.

‍Pode parecer absurdo na teoria, mas na prática com frequência vemos times distintos focarem esforços em diferentes segmentos ou mesmo tratarem todas as pessoas da mesma forma mediana, como uma forma aparente de ganhar produtividade com a padronização de processos (algo que ocorre muito em áreas de backoffice, por exemplo). Se não há uma visão compartilhada sobre o tema, a organização como um todo não reflete o esforço proporcional na direção de clientes que geram mais valor e, com isso, o impacto positivo de longo prazo não ocorre e frustra a iniciativa como um todo.

Obviedade 2: Proposta de Valor sempre em beta

Precisamos continuamente analisar e acompanhar as mudanças nas dores e necessidades de clientes para entender como estamos e podemos agregar valor agora e no futuro. 

 

A proposta de valor nada mais é do que o match entre uma necessidade de um determinado grupo de clientes e a solução que uma empresa oferece para a mesma. Uma forma de refletir e visualizar essa conexão é através do Value Proposition Canvas, framework criado pela Strategyzer. De um lado, representando cliente, temos as tarefas que essa pessoa precisa realizar, as dores enfrentadas por ela no processo, os ganhos que ela deseja atingir ou que deixam suas tarefas mais fáceis de serem realizadas. Do outro, representando a solução da empresa, temos os aliviadores de dores, os geradores de ganho e os produtos que devem se conectar com as tarefas, dores e ganhos dessa pessoa cliente. 

Como preencher um Value Proposition Canvas

 

Mas a proposta de valor de uma empresa não é simplesmente construída a partir de uma análise feita uma vez e que permanece válida ad eternum - ainda mais no atual contexto. Se o problema de tal cliente mudou e minha solução não atende mais às suas necessidades (algo que acontece com uma frequência cada vez maior), talvez seja necessário questionar e repensar minha proposta de valor (com a mesma frequência). Nessa linha, nesse contexto onde as necessidades da clientela mudam cada vez mais rápido, organizações centradas em cliente são aquelas que acompanham as mudanças de forma contínua e estão dispostas a fazer com que sua proposta de valor continue relevante e adaptável a elas. 

Essa é uma obviedade que dói muito na empresa mais engessada e que é apegada ao seu atual modelo de negócio por três motivos:

  1. Perceber e admitir que sua solução não atende mais a uma necessidade significa questionar algo que deu certo por muito tempo.

  2. Para identificar essas mudanças, é preciso haver mecanismos de checagem e compreensão constantes junto de clientes e que indiquem alterações a serem trabalhadas - e ouvir tais clientes constantemente e de forma empática dá trabalho.

  3. Ao identificar mudanças que podem questionar o atual modelo de negócio, as transformações internas podem envolver produto, processo, estrutura de times, pessoas - e mudar estruturas mais engessadas dá trabalho também.

No entanto, por mais que esse processo possa doer no início, ele é vital para sobrevivência e crescimento da empresa no longo prazo. É logo no primeiro (e essencial) passo que começa a dor: a compreensão profunda e constante de clientes é uma tarefa mais difícil e desconfortável do que parece quando feita da maneira correta. Investir em pesquisa de mercado, por exemplo, é algo comum principalmente em grandes organizações. No entanto, muito embora pesquisas mais tradicionais continuem muito relevantes para o negócio, cada vez mais elas não têm sido suficientes para trazer o olhar e a prática customer centric nas organizações. Entre seus principais modos de falha estão:

  • Usar a pesquisa de mercado como escudo para não interagir com clientes;

  • Só acreditar e usar os dados da pesquisa quando convém;

  • Encomendar uma pesquisa sem ter um objetivo claro de descoberta;

  • Deixar a pesquisa morrer no ppt;

  • Basear o direcionamento do negócio nas médias das pesquisas.

 

De forma complementar, a abordagem do design tem ganhado cada vez mais relevância e protagonismo para suprir esses gaps em organizações que protagonizam a inovação. Muito além da criação de objetos elegantes e coisas bonitas, o design é uma abordagem que busca, sim, criar soluções - produtos, processos, serviços, negócios, sistemas, organizações -, mas que são projetadas a partir da compreensão profunda de um problema ou desafio sob a ótica das pessoas nele envolvidas. A essência do design está justamente nesse primeiro passo (que não deixa de ser um tipo de pesquisa) de entendimento profundo das dores, necessidades e motivadores das pessoas. Esse entendimento, por sua vez, deve nortear a criação - e a atualização - da proposta de valor de uma empresa.

‍Outro ponto relevante é que o design vai muito além da identificação das dores e necessidades do cliente. Uma vez feita a compreensão profunda de clientes, o design segue a jornada até levantar hipóteses de solução e projetar caminhos de melhoria e entrega de valor. A essência iterativa do design, que preza por antecipar o contato da ideia de solução com clientes através de testes de protótipos, faz com que essas pessoas façam parte da construção da solução, uma vez que seus feedbacks constantes adaptam e direcionam o desenvolvimento sob a ótica de cliente, de fora para dentro. 

Além de trazer adaptabilidade e assertividade para o processo de desenvolvimento e atualização de uma solução, essa abordagem também impacta na redução de risco no processo, uma vez que antecipam potenciais problemas da solução sob o ponto de vista de tal cliente logo no início do desenvolvimento - e, com isso, é possível já corrigir a rota bem antes do lançamento.


Redução de risco no desenvolvimento de novas soluções a partir do design.

 

Seguindo a mesma lógica, a aplicação da abordagem do design é fundamental para a atualização constante da proposta de valor de uma empresa. Nesse processo, mais que um frame bonito a ser preenchido e enquadrado uma única vez, o Value Proposition Canvas pode ser uma ferramenta poderosa para convergir as descobertas geradas em ciclos de design para desdobrar a revisão e atualização da proposta de valor. De um lado, começamos com entendimento sobre as tarefas da pessoa cliente, as dores nesse processo e os ganhos desejados continuam os mesmos ou se sofreram alguma alteração. Do outro lado, há os aliviadores e geradores de ganho do meu produto atual. Quando revisamos este match de fora para dentro, podemos descobrir que o fit que existia antes não existe mais: tal cliente pode ter novas dores que meu produto não resolve, novos ganhos esperados que meu produto não gera.

 Aqui na weme, temos uma visão própria e desenvolvemos nosso jeito de fazer: damos a essa revisão o nome de Customer Heads-Up. Nesse ritual, com periodicidade trimestral, analisamos como input os dados de NPS dos nossos projetos, os insights do time de vendas e entrevistas de empatia com clientes para identificar mudanças nas tarefas, dores e necessidades de ganho. Em seguida, cruzamos esses dados com a oferta atual e procuramos por desconexões. Caso não haja nada grave, seguimos com o modelo atual. Caso haja uma desconexão, há dois caminhos: se for uma melhoria incremental, o time de produto pode endereçá-la; se for uma melhoria adjacente ou disruptiva (como uma oportunidade de novo produto ou novo modelo de negócios), é aberto um projeto com o time de novos produtos para explorar a oportunidade.

 

Customer Heads-Up: Sugestão de ritual periódico de revisão de proposta de valor

 

Desconexões na proposta de valor são causa raiz da queda de vendas de muitos produtos e muitas vezes são subestimadas ou mascaradas no legado e performance prévia do produto. No entanto, explorar e atuar sobre essa desconexão sob o ponto de vista de clientes e da proposta de valor pode dar insights para melhorar e ajustar o produto existente, assim como também para novos produtos, serviços e processos que apoiem um novo fit de proposta de valor para quem compra. 

‍O ponto aqui não é exatamente o caminho de solução que surgirá proveniente dessa análise, mas sim o constante entendimento problema da minha clientela - principalmente de clientes atuais que compram meus produtos existentes - sem medo de revisar aquilo que funciona há muito tempo.

 

Obviedade 3: A experiência completa faz parte da proposta de valor

Do primeiro contato à continuidade do relacionamento pós venda, cada ponto de contato precisa encantar clientes como na primeira vez.

Seguindo a linha da obviedade anterior, por mais óbvio que pareça, não custa lembrar que a proposta de valor de uma empresa para clientes vai bem além da tecnologia de uma solução. A experiência completa compõe uma parcela cada vez maior dessa proposta de valor e ela começa muito antes e termina muito depois da entrega de um produto ou serviço.

Ainda que o tema Customer Experience esteja ganhando mais e mais protagonismo nas discussões estratégicas das organizações, ele não é necessariamente algo novo. A experiência de cliente sempre existiu: afinal, seja por meio de comunicação impressa, embalagens, ligações telefônicas, anúncios na TV ou meios digitais, as empresas sempre tiveram seus pontos de contato e interação com sua clientela ao longo da jornada de compra.

‍Na verdade, cada vez mais, é a experiência de cliente que tem sido um fator crítico de vantagem competitiva, desde o primeiro contato no aprendizado até o encantamento constante no pós compra. São organizações que entendem que a proposta de valor para uma determinada pessoa vai além do produto. E é preciso encantá-la em todos os pontos de contato. Dois exemplos que adoro e que exemplificam bem o uso da experiência como diferencial competitivo são a Nespresso e o Starbucks. Um café na xícara pode ser dos produtos mais comoditizados que há, mas foi a experiência na sua venda que trouxe o real diferencial competitivo dessas empresas.

Entre as empresas que sabem trazer a experiência completa para clientes como parte da proposta de valor, há seis pontos em comum:

  • Foco no experience-market fit: a experiência de cliente faz parte da solução e da entrega de valor para tal cliente (não apenas o produto em si)

  • Obsessão por remover atritos na jornada: a todo momento, a empresa identifica atritos que atrapalham ou perdem clientes e encontram caminhos para removê-los.

  • Sentimento de personalização: Por mais que soluções em escala exigem algum grau de padronização, são os pontos na experiência que fazem clientes sentirem que a entrega foi personalizada, o que geram encantamento e fidelização.

  • "A minha clientela vendem por mim": Esse zelo pela experiência e pela constante e completa entrega de valor eleva muito a probabilidade de indicações, depoimentos e recomendações vindas de clientes - pois essas pessoas se tornam parte importante do processo de venda.

  • Inovação além do produto: Por fim, sumarizando a essência dos pontos anteriores, os experience disruptors buscam pela inovação em todos os campos do business model canvas e, com isso, não têm medo de mudar o modelo de negócio, desde uma mudança de canal, modelo de receita, distribuição, segmentos e por aí vai.

  • Customer+Employee Experience: Não basta apenas encantar clientes sem encantar as pessoas que trabalham na empresa, pois elas são a interface da organização e, se elas não estão felizes, a experiência da clientela tem tudo para ser ruim também.

Muitas empresas, principalmente as mais tradicionais, possuem um foco muito grande no seu produto ou serviço. Justamente por esse motivo, inovar e agregar valor na experiência de cliente muitas vezes pode ser uma mudança de jogo significativa para a organização. Um exemplo que demonstra bem esse ponto é o case da Kion. A Kion é uma empresa que atua no mercado de logística com soluções de armazenamento e movimentação de materiais. Em um projeto que executamos em parceria, identificamos um atrito na jornada de compra: a interação entre pessoas de vendas e sua ferramenta de financiamento e vendas. Entendemos que havia fricção sob o ponto de vista do time de vendas e de sua clientela.

‍Por um lado, as pessoas vendedoras demoravam muito tempo para conseguir todas as informações para fazer um orçamento acurado para clientes. Por outro, clientes se cansavam de esperar e a informação não vinha de forma fácil para a tomada de decisão. Dessa jornada surgiu o Kion Finance Service +: um aplicativo utilizado pela área comercial que simula e apresenta para clientes o processo de venda end-to-end, sem camadas adicionais e com todas as informações claramente disponíveis. Hoje, 40% das vendas totais acontecem nesse aplicativo e, com ele, a Kion conseguiu reduzir o tempo médio de uma proposta comercial de 20 dias para alguns minutos.

Obviedade 4: Métricas de sucesso medem geração de valor para clientes

Ficamos acostumamos a medir o sucesso do nosso negócio através da análise de um P&L (profit&loss) ou, simplesmente, olhando para faturamento e lucratividade em um determinado período. Mas não é bem assim.

 

Essa análise continua sendo muito válida para o curto prazo, mas diz cada vez menos sobre o futuro de uma empresa. Poderíamos também medir a saúde do futuro de uma empresa olhando para ativos, para market share ou mesmo para brand equity. Ainda assim, são pontos que não representam um aspecto crucial de uma empresa customer centric: a geração de valor para clientes. 

‍De nada adianta as vendas serem muito altas se muito da clientela compra uma vez e não volta mais, ou se o custo para adquirir mais clientes é maior do que o quanto a entrega de valor para a empresa. Cada vez mais, o poder de barganha está na mão de clientes e, com isso, mais saudáveis e promissores são os negócios que continuamente geram valor para essas pessoas. Isso significa que as métricas de sucesso precisam refletir essa geração de valor contínua.

‍Com isso, novos indicadores ganham cada vez mais protagonismo na análise de empresas, como é o caso de customer equity, por exemplo. Customer equity relaciona o valor de uma empresa ao potencial de rendimentos gerados por clientes. Ele é calculado a partir da soma dos CLVs (Customer Lifetime value), que é a predição de quanto valor cada cliente vai trazer ao longo de sua vida. calculamos o CLV a partir da seguinte fórmula:

Customer Equity = ∑ CLV = ∑ (ticket médio por venda) *(número de vendas por ano)* (retenção em meses/12) * (margem de lucro)


‍Além do CLV, outros indicadores apoiam na medição de valor agregado de clientes e indicam a saúde do negócio no curto e longo prazo:‍

  • CAC: Custo de Aquisição de Clientes

  • LTV: Lifetime Value (é o CLV considerando a receita bruta e não a margem de lucro)

  • Churn: total de clientes que cancelam / total de clientes ativos

  • NPS: Net Promoter Score (usado para avaliar o nível de serviço)

A razão entre LTV/CAC (o quanto vale cada cliente x quanto custa para adquirir novas pessoas cliente) é uma das métricas mais usadas para avaliar a saúde do negócio no curto prazo. 

Se CAC>LTV, quer dizer que custa mais para adquirir cliente do que o valor que ele gera para o negócio. Por outro lado, um LTV/CAC muito alto (acima de 8) indica que você poderia investir mais para adquirir mais clientes. Para um negócio saudável em crescimento exponencial, recomenda-se um LTV/CAC entre 4 e 6.

‍Trocando em miúdos, o que esses indicadores trazem para a mesa vai muito além do P&L e da venda pontual. Eles medem a consistência do negócio e da sua proposta de valor sob o ponto de vista de clientes.

 

Obviedade 5: Contexto organizacional como aliado e alicerce

Times alinhados conectados à proposta de valor, adaptável a mudanças, com incentivo ao aprendizado constante e a uma cultura de experimentação e testes são algumas das características de uma cultura ágil e centrada em clientes. 

 

Por fim, ainda que seja óbvio, muitos se esquecem de que a maior barreira para qualquer mudança em uma empresa está diretamente ligada ao contexto organizacional. Mais do que a necessidade de recursos (tempo, dinheiro, ativos e pessoas), uma cultura ágil e adaptável em clientes demanda uma organização com capacidades dinâmicas. Para se adaptar constantemente ao contexto e às necessidades de clientes, primeiro é preciso investir na criação de um ambiente propício para viabilizar a fluidez das operações em um contexto mais líquido.


Para isso, há 5 mudanças estruturais que são alicerce para uma cultura mais ágil, mais adaptável e mais customer-centric:

  • Todos os times conectados à proposta de valor: Como já falado, ser customer centric não é uma tarefa de apenas uma área, mas de toda a organização. Nesse sentido, estruturas muito quebradas em silos por função, por geografia e por produto atrapalham a conexão com clientes que cada vez interagem mais com múltiplas áreas e podem comprar diversos produtos de diversas localidades. Para melhorar as conexões internas e externas, cada time precisa entender seu papel na entrega de valor e como deve se relacionar com outras times para melhorar a fluidez nas conexões.

  • Cultura de testes para aumentar a agilidade: Para trazer respostas rápidas, o feito é melhor que o perfeito, o ótimo é o inimigo do bom. Gastar muito tempo aperfeiçoando uma entrega pode fazer com que o time perca o timing da clientela, enquanto que o minimamente viável que é entregue e testado rápido pode ser iterado rapidamente e construído junto com quem usa. Por esse motivo, empresas customer centric frequentemente quebram grandes projetos em ciclos rápidos de teste e aprendizado.

  • Alinhamento é mais importante que Controle: Operações centralizadas e hierárquicas e o excesso de controle minam a produtividade e o tempo de resposta em uma mudança de contexto. Mais importante do que controlar cada passo de cada time é garantir que todos os times estão alinhados sob um mesmo contexto e em um objetivo comum voltado à geração de valor para clientes. Garantir esse alinhamento em torno das necessidades de cada tipo de cliente direciona muito mais do que o controle das atividades de cada um engloba delegar, empoderar e dividir a responsabilidade do cliente com o time. 

  • Aprender rápido é mais importante que saber tudo: Por mais que seja relevante ter profissionais com domínio de vários temas, experiências, conceitos e métodos, é ainda melhor ter um time que tenha a capacidade de aprender rápido com as mudanças de contexto e da clientela, e que esteja aberto a assimilar novas práticas, novas abordagens, novos caminhos. Líderes ágeis valorizam o aprendizado rápido e constantemente promovem novos caminhos para seu time aprender em conjunto para encontrar novos caminhos para se adaptar às mudanças da clientela.

  • Tolerância ao erro, mas não à incompetência: Sempre que se fala de aprendizagem rápida e de cultura de testes, também se fala de tolerância ao erro. Mas essa tolerância não é inconsequente e não pode ser confundida com corpo mole ou incompetência. O erro rápido e barato faz parte do aprendizado, desde que seja uma consequência de um teste de uma ideia a ser validada com cliente. Ciclos rápidos de teste e aprendizado ao invés de longos planejamentos até a entrega final reduzem o risco e aumentam a assertividade da entrega final. Quanto mais cedo esses testes forem realizados, mais rápido os feedbacks são recebidos e os riscos são minimizados.

 

Por fim, como ser customer centricity na prática?

‍Por mais que sejam obviedades, todos os pontos abordados aqui não são tão fáceis de serem colocados em prática. Muitos deles envolvem mudanças grandes principalmente para organizações que nasceram product-centric que precisam se adaptar para acompanhar as mudanças de clientelas cada vez mais empoderadas. 

 Como tudo no novo contexto, a transição para uma organização customer centric não é feita do dia pra noite como num passe de mágica. Mudanças bruscas encontram ainda mais resistência em organizações que estão pouco acostumadas com isso. Por esse motivo, essa transição é mais bem-sucedida quando feita através de primeiros passos, com resultados tangíveis, adaptados à realidade de cada empresa. O ideal é que a empresa comece entendendo a fundo um determinado segmento de clientes, com um time multidisciplinar e comece a testar caminhos para aumentar a geração de valor. A partir dos primeiros resultados colhidos com um primeiro teste, os próximos passos ficam muito mais fáceis e encontram menos resistência - afinal, resultados bons todo mundo quer.

‍Para começar, é preciso dar o primeiro passo. Ouvir clientes, de verdade, olhar para a experiência, testar uma ideia no formato de protótipo, identificar o que há de comum entre quem são melhores clientes. Testar, errar, aprender e crescer rápido.